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Horia-Roman Patapievici despre Alexandr Dughin și Olavo de Carvalho. Traducere în portugheză

Transcriere tradusă în limba portugheză, realizată de Elpídio Fonseca, a interviului luat de Ovidiu Nahoi lui Horia-Roman Patapievici despre Alexandr Dughin și Olavo de Carvalho, despre volumul „Statele Unite şi Noua Ordine Mondială“, publicat de editura Humanitas. Se discută despre Rusia, Uniunea Europeană, Statele Unite al Americii și politica externă a României.
La finalul postării puteți urmări interviul dat lui Ioan M. Ioniță pentru Adevărul Live, pe același subiect, subtitrat tot în portugheză.

Olavo de Carvalho și Alexandr Dughin
Olavo de Carvalho și Alexandr Dughin

Segue anexa a tradução que fiz da entrevista que Horia-Roman Patapievici concedeu a Ovidiu Nahoi, da RFI (Radio França Internacional Romênia) em 17.11.16, acerca do lançamento do livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho. Embora bem melhor entrevistador que o jornalista Ion M. Ioniţa, do vídeo da semana passada, também Ovidiu Nahoi tem uma visão estereotipada do resultado das eleições americanas, posição com que Patapievici não compartilha de maneira nenhuma, de modo que também esta entrevista se estende muito mais no assunto “futuro do mundo após a eleição de Trump”, do que na discussão propriamente dita do debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin (embora nesta entrevista haja mais menção ao livro do que na outra): O original pode ser acessado aqui:

(Até 01:05) OVIDIU NAHOI: Boa noite! Estais em “Decriptaj”, sou Ovidiu Nahoi. Convido-vos a ouvirmos uma emissão acerca da América, acerca do papel da América no mundo. Uma emissão que tem razão de ser, logicamente, agora depois de tudo o que aconteceu nas eleições americanas, depois de todas as transformações que acontecem não apenas na América, mas também na Europa. Uma discussão que parte de um livro que será lançado por esses dias na Feira “Gaudeamus”, um livro intitulado “Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial”. Trata-se do relato de um debate entre dois filósofos e dois homens que vêem o mundo e procuram entendê-lo, cada um de seu ponto de vista: Olavo de Carvalho, um ensaísta e filósofo brasileiro, e Alexandre Dugin, muito mais conhecido entre nós. Falaremos também dele. O livro será lançado na Feira de Livros pelo filósofo e ensaísta Horia-Roman Patapievici: está junto conosco em “Decriptaj”. Boa noite!

(De 01:06 a 01:07) HORIA-ROMAN PATAPIEVICI: Boa noite, senhor Nahoi!

(De 01:08 a 01:38) O.N.: Portanto, eis, um livro provocador porque trata do papel dos Estados Unidos na construção de um mundo novo. Um livro provocador porque tem na capa dois filósofos, dentre os quais, um, ao menos, é visto entre nós assim como uma espécie de mistura de Goebbels e Jhdanov (ri), não? Refiro-me a Alexandre Dugin, um filósofo….
(De 01:39 a 01:44) H-R P.: As fotos que aparecem aqui no livro em que ele tem no fundo um tanque russo….

(01:45) O.N.:….Dugin….

(De 01:46 a 01:52 ) H-R P.: ….Sim! E nas mãos um Kalashnikov é uma fotografia que te dá calafrio, na verdade….

(De 01:53 a 01:57) O.N.:….Sim….Ao lado da foto de Carvalho, que porta uma espingarda simples de caçador….

(De 01:58 a 02:39) H-R P.: ….É uma espingarda daquelas com duas balas com chumbos, acompanhado de dois cães. E no livro ficamos sabendo que essa espingarda é um símbolo, de fato, do fazendeiro americano (ele mora nos Estados Unidos, esse brasileiro) é o símbolo do fazendeiro que se “protege”, diz Carvalho, das cobras que invadem o quintal dele e diz que o cão pequeno fica aterrorizado por elas, e, então, mato as cobras, ao passo que o cão grande as confunde com “pedaços de borracha”[1] que se mexem e as rasga imediatamente” (ri)….

(De 02:40 a 03:09) O.N.:….Sim! Deve-se dizer que estas fotos mostram também a diferença de estatuto entre desses dois protagonistas deste debate: o Professor brasileiro que mora na América diz: “Eu represento somente a mim. Eu sou uma pessoa particular que procura entender o mundo de certa maneira; ao passo que Alexandre Dugin é o expoente de um projeto de escala global.” Um projeto que tem certamente na base esta força das armas, esta força militar, que se encontra por trás daquela foto de Dugin.

(De 03:10 a 03:52) H-R P.: Acrescentaria também o modo diferente em que recrutam seu público: Olavo de Carvalho é um professor particular de filosofia, que dá cursos pela internet e os que se tornam alunos dele, são…entram num processo…num contrato totalmente voluntário, de mercado, com esse professor; ao passo que Dugin é Professor numa Universidade de Estado, em Moscou, na Rússia, sucessora da União Soviética, e por um tempo, ao menos, foi dito que ele é o inspirador político de….
(03:53) O.N.:….De Vladimir Putin.

(03:54) H-R P.: Sim.

(De 03:56 a 04:14) O.N: Eu gostaria de referir-me, no entanto, na abertura de nossa discussão (vou voltar ao livro e às afirmações dos dois protagonistas do debate). No entanto, gostaria de começarmos com o que aconteceu na América. Muitas pessoas se perguntam, depois destas eleições, se a América pode ainda ser o farol da liberdade no mundo.

(De 04:16 a 05:16) H-R P.: Se consideramos que a liberdade depende de um homem ou de um grupo de homens, então, em função da posição política, ou a opção diante de Hillary Clinton ou Donald Trump, então dirão que a liberdade existe ou não existe. Meu ponto de vista é completamente diferente: a liberdade depende das instituições. A liberdade não depende da vontade de um indivíduo e, como disseram muitos observadores, as instituições americanas podem engolir o impacto de muitos estilos ou conceitos de governo dos Presidentes que se sucederam. E se olhamos a história, vemos que os estilos ou idéias de governo foram muito diferentes: uns que foram muito adulados na esquerda, como é o caso de Woodrow Wilson, hoje a história o julga mais como um homem que espezinhou as liberdades e que, ao menos na América da Primeira Guerra Mundial, foi uma América em que as liberdades foram muitíssimo ameaçadas. Para nós, Woodrow Wilson é um herói….

(De 05:16 a 05:19) O.N: ….Isso na América, para nós é aquele que praticamente….

(De 05:20 a 05:31) H-R P.: É um herói porque introduziu o princípio da autonomia e auto-determinação das nacionalidades como princípio para retraçar do mapa depois da Primeira Guerra Mundial.

(De 05:32 a 06:09) O.N: E ao mesmo tempo, Woodrow Wilson, ao menos visto da Europa, e apareceram mesmo alguns artigos acerca deste tema, penso numa análise aparecida na Spiegel esta semana mesmo, é visto como sendo aquele que pôs as bases do século americano juntamente com a entrada da América na Primeira Guerra Mundial e isto aconteceu no começo mesmo do ano de 1917, e diz-se, na análise da Spiegel: o século americano terminará também em janeiro de 2017, desta vez juntamente com a posse do Presidente Donald Trump.

(De 06:10 a 08;10) H-R P.: Eu não creio de maneira nenhuma nisso. A imprensa alemã é uma imprensa que, ao menos nesta questão, abandonou completamente não apenas a imparcialidade, mas o tom racional: é um tom de pânico, milenarista, um tom em que não reencontro nada do que é bom na Alemanha. Quanto a Woodrow Wilson, dei esse exemplo exatamente porque a perspectiva americana freqüentemente difere muitíssimo da perspectiva européia acerca de uma personagem que teve efeitos geopolíticos muito, muito importantes. Quero acrescentar algo referente ao que aconteceu agora e se “a América ainda é,” pergunta do senhor, “o farol da liberdade”. Eu creio que enquanto o constitucionalismo americano estiver em vigor, enquanto as instituições que representaram o apoio da democracia estiverem em vigor, não temos motivos para nos preocuparmos. Com tudo isso, omitimos um fator da enumeração dos elementos, ou dos fatos que asseguram o apoio da democracia liberal: e esse [fator] é a sociedade americana. O que aconteceu em verdade é que a sociedade americana se tornou cada vez mais polarizada ideologicamente. Se o senhor olhar para a sociedade americana nos anos de 1920, 1930, não verá essa coisa. Se o senhor olhar para a sociedade americana nos anos de 1950, é uma sociedade que parece evoluir para…que parece que haveria de evoluir para alinhamentos que tinham sido solidamente fixados do ethos da Guerra e da ética que resultou da Guerra….

(De 08:11 a 08:14) O.N: ….Sim, nos anos de 1960, 1970….a nação, questões raciais…

(De 08:15 a 09:43) H-R P.: Os anos de 1960 haveriam de mudar completamente as coisas, através de algumas decisões de alguns Presidentes que foram muito populares: refiro-me a John Fitzgerald Kennedy, um Presidente democrata, o primeiro e único Presidente Católico da América, que foi também assassinado e que tomou essa decisão muito controversa de iniciar a Guerra do Vietnã. Também ele tomou a decisão de lançar o projeto espacial Apolo, que foi um grande sucesso não apenas simbólico, mas também científico, mas essa decisão de dar início guerra, de entrar como sucessor da França colonialista na zona do Vietnã teve conseqüências extraordinariamente destrutivas sobre a sociedade americana, porque a fissura no interior da grande sociedade, e não é por acaso que um outro Presidente democrata, Lyndon Johnson, é o que lançou o grande tema da campanha eleitoral, a grande sociedade. Com isso entendia uma sociedade em que os ex-excluídos fossem incluídos. Mas de outro lado, do ponto de vista ideológico, é algo do tipo wishful thinking, é um desejo de refazer a grande sociedade no momento em que ela, na verdade, se fissurava e….

(De 09:44 a 09:46) O.N: ….Hoje estamos num momento semelhante àquele….

(De 09:47 a 10:06) H-R P.: Estamos num momento de acentuação extraordinária. Agora é um abismo em partes da América que se detesta com violência e com paixão. Eu não encontro um equivalente senão nos anos de 1990 na Romênia em que na questão de Iliescu os romenos se tinham separado entre si dramaticamente….

(De 10:06 a 10:07) O.N: ….mesmo no interior da mesma família….

(De 10:08 a 10:19) H-R P.: ….exatamente, exatamente, é separaram-se essas famílias. E se era caso de parentes, não falaram por décadas. Digo ao senhor (rindo), porque conheço essas coisas.

(De 10:20 a 12:21) O.N: Os senhores estão em Decriptaj. Sou Ovidiu Nahoi, o convidado de nossa edição desta noite é o filósofo e ensaísta Horia-Roman Patapievici. Falamos dos Estados Unidos, falamos do futuro da América no mundo, partindo de um livro que será lançado na Feira Gaudeamus por esses dias: Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin. Abrirei este livro para discutir um pouco as idéias dos dois protagonistas deste debate: Olavo de Carvalho, como dizíamos, é um filósofo, digamos, independente, brasileiro de origem, mora nos Estados Unidos. Mesmo morando nos Estados Unidos, tem certas idéias acerca de como o mundo é governado ou acerca dos projetos de poder que se colidem neste momento no mundo. Gostaria de descriptografar um pouco. Eis o que diz Olavo de Carvalho num dado momento, no caso deste debate, acerca dos projetos de poder e os agentes deles no nível global: um seria representado pela elite governante da Rússia e China, respectivamente os serviços secretos dessas dois países, este é o componente euroasiático, assim como ele o define em seu discurso; depois, um outro projeto é o dado pela elite financeira ocidental, assim como ela é representada no Clube Bilderberg, Conselho de Relações Exteriores, e Comissão Trilateral; enfim, o terceiro componente da batalha pela supremacia global é dado pela Fraternidade Muçulmana, de líderes religiosos de diferentes países e igualmente de governos de países muçulmanos. São esses três atores da transformação do mundo? Como descriptografar esta concepção de Carvalho?

(De 12:22 a 15:03) H-R P.: Carvalho em seguida cita um importante filósofo da história, que distingue entre acontecimentos históricos que são produzidos com intenção de grupos ou autores que podem ser identificados pelo fato de que propuseram agir na história sob determinada bandeira ou sob certa ideologia, e ações que são conseqüências não intencionadas dos agregados, ao mesmo tempo, de agentes, sociedade, povos, indivíduos, mas que não são efeitos de intenções. E ele diz que no momento atual do mundo confrontam-se três tipos de atores que têm objetivos declarados e realizados por instituições, por governos, por nações, algumas vezes, ou por alianças e são aquelas que o senhor mencionou. É, digamos, a elite financeira ocidental, político-financeira ocidental, esta é a divisão que faz de Carvalho, com que eu não estou muito satisfeito, e as duas outras divisões são uma presuntiva aliança russo-chinesa, que não é tanto uma aliança realizada de facto, mas uma convergência de interesses e de estilos de governo principalmente, insisto nisto, estilos de governo; e a terceira seria aquela que ele epitoma por este movimento muito profundo e que tem, na verdade, efeitos e ramificações extraordinariamente concretos, que é a Irmandade Muçulmana. Em vez de dizermos Islã de maneira global, que é uma noção antes cultural e religiosa, provavelmente é melhor ligarmos as ações de competidor como modelo de civilização a esse movimento radical que é a Irmandade Muçulmana. Portanto, o que diz Carvalho, parece-me que ele identifica três vetores que disputam entre si ou são competidores num mercado de projetos político-culturais.

(De 15:04 a 15:14) O.N: Haverá um ganhador ou esses elementos serão sempre impuros numa espécie de competição perpétua?

(De 15:15 a 17:35) H-R P.: Esses competidores podem ir até o confronto militar. Nós freqüentemente perdemos de vista que o confronto político não é apenas um confronto entre ideologias, há freqüentemente confrontos entre modelos políticos e culturais que promovem certo tipo antropológico. Com isto não entendo….não tem nada que ver com o tipo racial ou…não me refiro a esses tipos de divisões em que o século XIX investiu uma paixão que no século XX haveria de mostrar-se tão criminosa e sangrenta. Não! Refiro-me a tipos antropológico-culturais. Algumas vezes tipos, digamos, liberal-democratas diante do tipo totalitário. No século XX de fato não vimos o confronto, ou não: para além do enfrentamento entre o sistema democrático-liberal e o sistema político totalitário, representado seja pelo fascismo seja pelo nazismo, seja do comunismo, o confronto sangrento, e direto e militar na Segunda Guerra Mundial entre o bloco fascista-nazista e a aliança temporária entre o bloco totalitário soviético e as democracias liberais e depois prolongada na Guerra Fria, pelo confronto direto entre o último totalitarismo que sobrou, o soviético, e a democracia liberal, terminada pela vitória das democracias liberais, mas, para além das instituições que venceram o confronto militar ou político da Guerra Fria de depois da Segunda Guerra Mundial é que certo tipo humano é o que venceu. O tipo humano democrático e liberal é o tipo humano que é apoiado pelas instituições da democracia liberal e é favorecido em sua reprodução pela cultura, educação que têm como conteúdo do comportamento liberal, digamos, comportamento democrático: distingues imediatamente pela maneira de falar, pela maneira de dirigir ao mundo, o tipo totalitário do tipo democrático-liberal.

(De 17:36 até 17:41) O.N: Será que o tipo democrático liberal não está agora numa espécie de retração?

(De 17:42 a 18:25) H-R P.: Creio que está numa espécie de retração. Creio que Putin, pela reafirmação da pretensão imperial da Rússia, não esqueçamos isto: pois ele não reivindica apenas um renascimento nacional russa. Na Rússia o renascimento nacional está sempre ligado ao projeto imperial e Dugin o exprime de uma maneira histérica e muito ameaçadora. Ele fala de luta, de recrutamento de soldados até o aniquilamento completo daquilo que ele chama a modernidade, a pós-modernidade do Ocidente e Putin não faz segredo de que para ele a maior catástrofe geopolítica do século XX é o desaparecimento da União Soviética.

(De 18:26 a 19:04) O.N: Eis o que nos diz Dugin a propósito disto: “o inimigo comum é a instância necessária para qualquer tipo de aliança política: muçulmanos, cristãos, russos, chineses, adeptos da esquerda e os da direita, hindus ou judeus que contestam o estatuto atual das coisas – globalismo e imperialismo americano – são potenciais amigos e aliados. Tenhamos ideais diferentes, mas tenhamos em comum algo muito forte: o ódio diante da realidade presente. Os nossos ideais, que diferem entre si, são potenciais (in potentia). Mas a provocação com que nos confrontamos é atual.”

(De 19:05 a 19:43) H-R P.: A linguagem do ódio, observe, por favor: Dugin emprega na disputa com Carvalho, emprega o ódio como elemento de justificação de uma ação. Diz: “odiamos as mesmas coisas.” Carvalho não disse que odeia, ele faz uma análise crítica, mas Alexandre Dugin traduz a análise crítica pela solidariedade do ódio. Espantou-me isso e pus-me profundamente em pensamento, pois de quando já não ouvimos o ódio como sentimento político legítimo na mobilização da sociedade? (De 19:44 a 19:45) O.N: Propaganda dos anos cinqüenta…

(De 19:46 a 20:15) H-R P.: Desde os anos trinta na Europa, e depois nos anos cinqüenta entre nós. É extraordinário! Portanto é uma volta a um sentimento em que o tipo antropológico, cultural, democrático, liberal eliminara completamente a praça pública. O ódio não é legítimo como sentimento político público. Os ódios privados, isto é algo que depende do domínio individual, mas publicamente o ódio fora deslegitimado politicamente.

(De 20:16 a 20:56) O.N: O cúmulo é que todo tempo que a sociedade ocidental, em que nos incluímos também a nós….são diversas….encontramos todo tipo de abordagens, até mesmo o ódio está presente e tem também ele o seu lugar algures no quadro da sociedade sem ser determinante, ao passo que na Rússia este elemento parece ser apoiado por uma grande parte da população: vemos a popularidade de Vladimir Putin no fato de que a despeito de um problema econômico evidente, o apoio a ele e à causa que ele representa permanece inabalado.

(De 20:57 a 22:33) H-R P.: Permanece inabalado, sim. Voltaria ao modelo antropológico: quando se enfrentam o modelo russo-chinês – mantenho esta divisão de Carvalho – e o tipo islâmico, digamos, o tipo muçulmano ligado àquele ideal social que exprime a Irmandade Muçulmana, a diferença de comportamento social, de aspecto dos países, difere drasticamente: é como a diferença entre um país muçulmano crente, em que as mulheres são retraídas, ou quando saem, são apenas aparições fantasmagóricas, escondidas por trás dos véus, e uma sociedade essencialmente dos varões. No Ocidente não é assim. O Ocidente inventou, pela sociedade grega, no começo, e depois, toda a evolução, um modelo de urbanismo em que as pessoas, de maneira indiscriminada, estão presentes ali. As cidades européias são cidades fundamentalmente cosmopolitas, não são segregadas por nenhum critério: quanto maior é uma cidade, tanto mais cosmopolita é a presença dela. Do ponto de vista urbanístico, as cidades ocidentais oferecem uma paisagem que difere dramaticamente daquele em que se reencontra o tipo antropológico e cultural que o sistema da Irmandade Muçulmana promove ou aquele outro.
(De 22:34 a 22:57) O.N: E mesmo descendo à terra, à realidade concreta diária, toda essa discussão que pode parecer filosófica traduz-se de uma maneira muito brutal pela guerra da Síria, onde esses três elementos – Ocidente, aliança, digamos, russo-chinesa, ou o binômio russo-chinês e o mundo muçulmano – se encontram e deveras se colidem.

(De 22:58 a 22:59 ) H-R P.: De fato. Sim.

(De 23:00 a 23:52) O.N: Estais em Decriptaj, dou Ovidiu Nahoi. Discutimos hoje o papel dos Estados Unidos na Nova Ordem Mundial, o papel dos Estados Unidos no mundo, ao lado do filósofo e ensaísta Horia-Roman Patapievici, e partindo de um livro que será lançado por esses dias na Gaudeamus, um debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin, dois filósofos que se encontram em posições diferentes, mas dois filósofos que falam dos Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial. Os Estados Unidos, que papel exercerão doravante? Isto segundo a opinião do senhor, passando em seguinte a pôr, de algum modo, em dois planos diferentes desses dois protagonistas do debate que fazem uma bifurcação….

(De 23:53 a 25:35) H-R P.: Para mim, senhor Nahoi, não existe uma opção entre a Irmandade Muçulmana e o sistema de governo russo-chinês, e o Ocidente, respectivamente, os Estados Unidos, não tenho nenhuma hesitação. Sou não apenas adepto dos valores das democracias liberais, e da cultura ocidental, com uma ênfase que hoje pode já não ser popular, mas para mim é muito atual: eu vejo em tudo isso uma civilização que provém do cristianismo e que continua a ter traços morais reconhecivelmente cristãos. Mas não é apenas isso, é o horror que me causa uma sociedade de tipo Irmandade Muçulmana, é um horror moral e civilizacional e o temor que me causa o sistema de governo russo-chinês, que é um sistema que conhecemos muito bem e é um sistema do qual a prosperidade econômica não vai resultar nunca: toda essa prosperidade da China é uma conseqüência ao fato de que parte da economia, parte da sociedade, foi deixada interagir com o sistema de mercado ocidental, e se baseia exclusivamente, de fato, no ocidente, em condições em que eles continuam por serviços, por um exército desproporcionalmente forte, pela colonização das ilhas, dos mares, por uma política agressiva de se armar tanto o espaço quanto a zona terrestre e a zona dos mares. Eles seguem uma política de hegemonia indiscutível.

(De 25:36 a 26:00) O.N: Não temos um temor da retração na própria carapaça da América, de que se fala muito agora, depois da eleição de Trump, porque ele, na campanha, falou muito disso, coisa que, certamente, se se produzir, veremos em que medida se produzirá, criará um grande prejuízo para o campo ocidental.

(De 26:00 a 27:15) H-R P.: Sim, eu vejo essa retração da América ainda desde a época dos dois mandatos de Barack Obama. Segundo meu parecer, Barack Obama foi um Presidente que fez a América retrair-se de sua posição de força internacional. A Síria é um fracasso porque a política de Barack Obama foi uma política de retração e deixou aos russos não apenas um campo livre, que eles ocuparam imediatamente, através de bases militares e pela presença militar que eles não tinham tido antes das hesitações e da política de retração de Obama e, principalmente, pelo fato de que ele deixou a dianteira de definir a natureza do conflito, fez de Bachar Assad uma figura respeitável que agora, graças aos russos, se encontra à mesa das tratativas e, graças à retração americana, os russo conseguiram redefinir a oposição ao regime Assad como sendo contaminada profundamente pelo que os russos chamam terrorismo.

(De 27:16 a 27:17) O.N: Ou seja, considera que a luta contra o terrorismo….

(De 27:18 a 27:20) H-R P.: Certamente que sim….

(De 27:21 a 27:22) O.N: ….muito respeitável

(De 27:18 a 27:40) H-R P.: Perdeu a chance de definir a natureza do inimigo. Ora, através disso, a América mostrou que ela já adotou uma posição isolacionista. Portanto, Trump vem para um território que Obama já abriu.

(De 27:41 a 27:42) O.N: Portanto, num terreno de algum modo preparado?

(De 27:43 a 28:34) H-R P.: Sim, eu vejo esses dois mandatos de Barack Obama como sendo o começo de um movimento isolacionista americano. Agora nos perguntamos se é conseqüência de uma decisão deliberada, ou é conseqüência de enfraquecimento? Aqui podemos especular e dizer que se trata de enfraquecimento de Barack Obama e que no caso de Donald Trump, que por enquanto é um discurso, não são fatos, trata-se apenas de palavreado, digamos, parece ser uma decisão deliberada isolacionista. Mas acrescento a seguinte coisa: A América criou um mundo pela Pax Americana que impôs depois da Segunda Guerra Mundial, da qual ela não se pode retrair por vontade.

(De 28:35 a 28:59) O.N: No entanto, nesta situação de uma retração, veremos até que nível, assim como o senhor diz, porque o mundo está muito mais complicado depois da campanha eleitoral do que antes, isto sabemos todos, mas nesse contexto, a Europa poderia suprir, como por um fenômeno físico de encher os vazios, poderia suprir as zonas de onde a América se retira?

(De 29:00 a 29:23) H-R P.: Não, categoricamente não. A Europa está numa estranha paralisia volicional que se manifesta politicamente, militarmente e diria que na fantasia institucional: a União Européia, um comissário…com um presidente….

(De 29:24 a 29:25) O.N: ….da comissão?

(De 29:25 a 29:26) H-R P.: Como?

(De 29:27 a 29:28) O.N: ….da comissão? Juncker?

(De 29:29 a 29:30) H-R P.: O título dele é….

(De 29:31 a 29:33) O.N: ….Presidente da comissão.

(De 29:34 a 31:11) H-R P.: Um Presidente da comissão européia como Jean-Claude Juncker que, segundo meu parecer, é inapto para a função que ocupa, que ora fala muito, ora fala muito pouco, e quando fala muito, fala de maneira inconveniente. A ele se aplica o que Racca empregou de maneira muito maldosa: “perdeu muitas vezes a ocasião de calar-se”. Portanto, com um presidente da comissão européia, segundo meu parecer, inapto, muito inconveniente nas alianças que sugere, pelos discursos que faz, indulgência diante da Rússia, anti-americanismo que quase não esconde, esta intenção que é bovárica, não tem nenhum apoio na realidade, mas que tem conseqüências políticas muito graves e, portanto, militares; intenção de fazer um Exército Européia com que a OTAN seria posta, na prática, na situação de constatar a desmontagem da presença americana na Europa, com aquele sentimento profundamente negativo de anti-americanismo quase visceral que se pode constatar em todos os países ocidentais, não naqueles do ex-campos de concentração comunistas, e disto, na verdade, existe uma divisão moral entre a velha Europa a nova Europa, para usar uma distinção de alguns americanos.

(De 31:12 a ) O.N: Mas nem mesmo a nova Europa já não é mesmo a Europa inteira, se olhamos a Europa Central, se olhamos, por exemplo, Budapeste, Praga, a euro-cética, o grupo Viszegrad, excetuando a Polônia, neste nível de relação América-Rússia?

(De 31:30 a 32:43) H-R P.: Sim, a Polônia sabe muito bem que ela perdeu por três vezes sua estatalidade, pelas disputas entre os poderes estão a seu redor e que a Segunda Guerra Mundial de fato não é iniciada pelo fato que a Alemanha nazista invade a Polônia, mas do fato que a Alemanha nazista se entendeu com a União Soviética, pelo Pacto Ribbentrop-Molotov de 23 de agosto de 1939, para dividir entre si o mundo, e, como tal, a Polônia …e a Guerra foi iniciada pelo fato de que em 1.º de setembro os alemães entraram do oeste para o leste e, a partir de 15 de setembro, do leste para o oeste entraram os soviéticos e os que se refugiaram- isso se vê muito bem no filme de Andrzej Wajda – Katin, os que se refugiaram dos nazistas, indo para o leste, ficaram consternados ao verem que se encontravam com seus concidadãos que se refugiavam aterrados, do leste para o oeste, porque uns eram fugitivos dos nazistas e os outros eram fugitivos dos comunistas. (Gesto consternado)

(De 32:44 a 32:45) O.N: O drama da Polônia é que…

(De 32:46 a 33:01) H-R P.: Assim que a Polônia não esqueceu que nem os alemães são confiáveis e nem os russos são confiáveis, porque nenhum deles é confiável diante dos leste-europeus, porque os russos, junto com os alemães têm o mau-hábito de se entenderem entre si!

(De 33:02 a 33:04) O.N: Daí os poloneses apostaram numa Europa forte…

(De 33:05 a 33:06) H-R P.: ….exatamente…

(De 33:07 a 33:09) O.N: ….para ser uma espécie de filtro ou de….

(De 33:10 a 33:11) H-R P.: ….uma Europa em que a Alemanha seja neutralizada…

(De 33:12 a 33:13) O.N: ….ou seja, um amortecedor para a Alemanha….

(De 33:14 a 34:02) H-R P.: ….Sim, ora, agora a Alemanha está em liberdade, há uma França que é puramente decorativa, há uma Grã-Bretanha, que se retraiu – a Grã-Bretanha tinha sido um moderador para o par franco-britânico e agora, com um Presidente da Comissão Européia que é uma nulidade, como é Jean-Claude Juncker, com uma Alemanha que está profundamente perdida, com uma Angela Merkel que perde a liderança, mês a mês, cada vez mais, com uma Alemanha que não esquece que se entendeu permanentemente com a Rússia e esse entendimento foi sempre contra, e volto a quem se confronta neste momento no mundo, foi contra o modelo das democracias liberais.

(De 34:03 a 34:05) O.N: A Alemanha, no entanto, é hoje uma democracia….

(De 34:06 a 34:07) H-R P.: É.

(De 34:08 a 34:09) O.N: Podemos ainda trasladar a história….

(De 34:09 a 34:28) H-R P.: A Alemanha é uma democracia, mas o aliado que escolhe ter – não a América, atenção! – mas a Rússia não é uma democracia. E a Rússia é muito ofensiva e temos uma Alemanha que é tolerante com a Rússia em condições em que, sim, a Alemanha é uma democracia, mas a Rússia é uma autocracia muito agressiva.

(De 34:31 a 34:38) O.N: Os russos ficarão satisfeitos com o que se lhe vai deixar na eventualidade de um entendido? A história nos mostra que a Alemanha nazista não ficou satisfeita.

(De 34:39 a 34:47) H-R P.: Não, não se satisfez, mas o problema é que o que se vai deixar à Alemanha, à Rússia, perdão? Como romeno, estou muito preocupado….

(De 34:48 a 34:49) O.N: O espaço que querem, ex-soviético, mas será que só isso?

(De 34:50 a 35:32) H-R P.: Ora, nós estamos num espaço ex-soviético, estou muito preocupado: para mim, quando a Alemanha se entende com a Rússia, o alarme é máximo. A Alemanha não deve entender-se com a Rússia e a Comissão Européia é a que não deve deixar a Alemanha entender-se por cima da cabeça da política européia com a Rússia, mas com uma Ministra das Relações Exteriores como Mogherini, velha comunista e que continua tendo simpatias de esquerda ou de extrema-esquerda, que podes obter? Segundo meu parecer, a União Européia não oferece no momento presente garantias para os estados ex-comunistas diante da agressão manifesta e em todas as direções geopolíticas da Rússia.

(De 35:33 a 35:41) O.N: E então, afinal, não podemos sair deste estúdio sem enfatizar esta pergunta (com riso nervoso): que vamos fazer?

(De 35:42 a 36:14) H-R P.: (com riso consternado) Nós temos de ter uma voz na União Européia que seja a voz do Leste Europeu. Nós levamos uma voz que está carregada de trauma dos regimes comunistas e o que significa um regime comunista. Esta voz tem de ser articulada assim como fazem os poloneses: sem esquecimento, de um lado; de outro lado, nós temos de ser uma voz na União Européia que fale em favor de uma aliança permanente com os Estados Unidos.

(De 36:15 a 36:33) O.N: Senhor Horia-Roman Patapievici, agradeço ao senhor pela presença em nossa emissão desta noite. Nesta noite, em Decriptaj, não vos esqueçais, procurai o livro, este debate entre Olavo de Carvalho e Alexandre Dugin. Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial Obrigado, Sr. Patapievici.

„Statele Unite și Noua Ordine Mondială – O dezbatere între Olavo de Carvalho și Aleksandr Dughin". Humanitas, 2016
„Statele Unite și Noua Ordine Mondială – O dezbatere între Olavo de Carvalho și Aleksandr Dughin”. Humanitas, 2016

(De 36:34 a 36:35) H-R P.: Também eu lhe agradeço.

(De 36:26 a 36:38) O.N.: Revemo-nos na próxima quinta em Decriptaj. Tudo de bom até lá!

[1] No original, em português, não está “pedaços de borracha”, mas “salchichas móveis” Cf. p.149 da edição brasileira. [N.T.].

Filósofo Romeno debate: Os EUA e a Nova Ordem Mundial – Dugin x Olavo de Carvalho (Legendado PT-BR)

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Elpidio Fonseca

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